Pesquisar este blog

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Reverencie-se

Reverencie o seu Eu.
Medite sobre o seu Eu.
Venere o seu Eu.
Ajoelhe-se diante do seu Eu.
Compreenda o seu Eu.
Seu Deus vive dentro de você e é você.

MUKTANANDA


Reverencie-se
Eu não queria ir. Simplesmente porque eles não gostavam de mim, nem eu deles. Entre nós havia um mal-estar familiar. Fingíamos que tudo estava bem mesmo quando nos sentíamos infelizes uns com os outros. Todos nós sabíamos desempenhar esse papel, sorrindo e trocando amenidades para esconder a raiva ou o medo que fervia por baixo da superfície. Era um lindo dia de sol e eu não estava com vontade de representar essa farsa. Eu também sabia que, além da morte, não haveria desculpa para a minha ausência. Em vez de me arrumar, eu tentava encontrar uma forma de estar morta por um dia apenas.

Quando é que nos ensinam que podemos dizer o que sentimos, quando sentimos? Certamente não quando somos crianças. Na infância nos ensinam o que não dizer e o que não fazer se ou quando aquilo fizer uma outra pessoa sentir-se mal. Essa outra pessoa é sempre gente grande. Quando somos crianças, nos ensinam a cuidar de gente grande, de adultos, das figuras de autoridade. "Não fale quando houver gente grande falando", "Não expresse suas idéias se forem diferentes das de gente grande", "Sempre aceite o que gente grande lhe oferecer, mesmo se não gostar". De maneira insidiosa, embora não maldosa, nos ensinam que gente grande é que é importante, nós não somos. Até quando nós mesmos nos tornamos gente grande, ainda há gente maior, mais velha e mais importante do que nós. Essas são as pessoas que devemos reverenciar. Ao nos ensinarem a reverenciar gente grande, nos ensinam a nos desrespeitar.

A primeira forma de desrespeitar a nós mesmos que nos ensinaram foi quando nos fizeram esconder a verdade. A verdade sobre o que sentíamos, o que queríamos ou o que pensávamos. Nas reuniões da minha família, as frases favoritas eram: "Criança foi feita para ser vista e não ouvida!" e "Alguém te perguntou alguma coisa?". E acrescentavam as seguintes pérolas: "Fique feliz com o que te dão!", "Não diga isso! Não é delicado!". Quando ouvíamos essas frases, sabíamos que devíamos calar a boca e engolir o que sentíamos, porque estávamos por um triz. Se passássemos desse limite, talvez gritassem conosco, nos dessem um tapa ou nos castigassem. Ou pior, talvez tivéssemos de ouvir um sermão de meia hora sobre o quanto o nosso comportamento não era apropriado. Quando criança, aprendi que explosões espontâneas de verdades sobre gente grande, percepções instintivas sobre erros cometidos por gente grande e hipocrisias claramente observáveis não deviam ser discutidas ou questionadas. Muitas vezes me mandaram não acreditar no que eu estava vendo ou me convenceram de que o que eu estava sentindo com relação a determinada situação não era correto. Em vez de acreditar na minha intuição e no meu sentimento, eu devia aceitar as explicações dos adultos para aquela situação. Mesmo adulta, eu continuei a encarar meus pais e parentes mais velhos como gente grande. Por fim, esse grupo passou a incluir empregadores e outras pessoas em posição de autoridade. Eu fazia qualquer coisa ao meu alcance para honrar os sentimentos e desejos dessas pessoas, até mesmo quando isso implicava a minha própria desonra.

Quando você mente para si sobre as suas próprias necessidades, acabará mentindo para os outros sobre essas mesmas coisas. Lembro-me de que quando comecei a namorar, eu ficava muito mais preocupada em não aborrecer os rapazes com quem saía do que em honrar a mim mesma. Tudo bem que eles chegassem tarde para um encontro. Quando não telefonavam, como haviam prometido, eu perguntava por que, mas o fazia com todo o cuidado para não parecer grosseira. Quando eles apareciam, conforme prometido, eu tinha pouquíssimas opiniões sobre o que quer que fosse. "Onde você quer ir?" "Ah, qualquer lugar que você escolher está ótimo." "O que você quer comer?" "O que você quer?" Responder uma pergunta com outra pergunta não é a melhor forma de conseguir o que se quer. Não é assim que honramos e respeitamos a nós mesmos. No entanto, eu tomava cuidado para não pedir demais ou para não dizer a coisa errada, sobretudo quando eu não tinha a menor idéia do orçamento em questão. Meus namorados, assim como meus pais, professores, supervisores, vizinhos, pastores, eram pessoas que tinham algo de que eu precisava ou algo que eu queria. Eu sabia muito bem que não devia ofendê-los ou chateá-los. Eram gente grande.

Mentir para si ou para os outros sobre nossas necessidades, desejos, sobre o que se gosta e o que se deixa de gostar, é igual a ter um fungo bactericida. Ele vai se espalhando rapidamente por todas as áreas da vida e poluindo todo o ser. Quando você se polui com o fungo da desonra e do desrespeito, fica difícil falar em sua própria defesa. O fungo cola os seus lábios quando alguém fala com você de forma ofensiva. Esse fungo que cola a boca e anuvia a mente sempre faz com que você duvide de si. Faz você duvidar do que está sentindo, mesmo enquanto está sentindo. Proíbe você de encontrar a reação mais apropriada quando sua sensibilidade é ferida por gente grande. Mas como qualquer bactéria, um fungo que não é tratado se transformará numa infecção. A infecção que se espalha quando você não se honra nem se respeita transforma-se em raiva e fúria. A raiva e a fúria jorram de dentro de você quando gente grande, ou até mesmo gente pequena, diz ou faz coisas que você passou muito tempo sem questionar. O fungo de não honrar o que você sente, de não dizer o que precisa dizer, jorrará de dentro de você como fúria e poluirá os seus relacionamentos. Relacionamento de família. Relacionamentos profissionais. Relacionamentos pessoais e íntimos. Nenhum deles está imune ao fungo que vai crescendo lá dentro quando você não se honra e se respeita a cada passo do trajeto que é o seu relacionamento com as outras pessoas.

Eu tinha trinta anos quando alguém finalmente me disse que o que eu sentia tinha importância, porque essa pessoa se importava comigo. Eu estava numa roda de estranhos, a maioria muito mais velha, rica e instruída do que eu. De repente, alguém me olhou nos olhos e perguntou: "Então, o que você acha?" Eu já havia sido casada, já dera à luz três filhos e me divorciara, quando alguém pronunciou as seguintes palavras para mim: "Honre-se!" Nossa, que choque aquilo foi! Eu nunca havia pensado nisso! Eu, me honrar! Admitir o que sinto? Dizer o que estou pensando, em voz alta, numa sala cheia de gente grande? Pedir o que quero, mesmo sem saber se está disponível naquele instante? Você deve ter enlouquecido! Mas a pessoa não tinha enlouquecido. Era um pastor e eu participava de uma oficina cujo objetivo era ensinar as pessoas a exercerem seu poder pessoal. Estávamos fazendo um exercício para desenvolver a autoconfiança e a verdade. Ele havia nos dito que a única forma de aprendermos a confiar em nós mesmos o suficiente para nos honrarmos e respeitarmos como uma expressão divina e única de Deus era dizendo a verdade. Ele era o responsável. Ele era gente grande. Alguém do grupo acabava de fazer uma crítica bastante severa com relação a ele e, sem o menor aviso prévio, ele se virou para mim e perguntou: "Então, o que você acha?" Bem, é muito difícil a gente conseguir pensar quando o cérebro está pegando fogo e os cabelos estão em pé na cabeça!

"Bem..." "Nada de bem!", ele gritou para mim. "No instante em que você diz 'bem' ou 'não sei' está dizendo que não quer falar a respeito! Você está aqui para falar. Então fale. O que acha sobre o que ela acaba de dizer?" Eu podia sentir cinqüenta olhos cravados na minha pele. Eu podia ouvir a voz da minha avó: "Se não tem nada de bom pra dizer, não diga coisa alguma." Eu podia ver os olhos de minha mãe atravessarem o salão, com aquele olhar de mãe que diz que, se você abrir a boca, sua execução virá a galope. Eu podia sentir o cheiro da minha massa cinzenta fritando. Enquanto tudo isso acontecia, havia um adulto ali, de pé, esperando uma resposta minha. As palavras escapuliram de minha boca sem que eu pudesse examiná-las ou censurá-las. "Eu sinto a mesma coisa. Não acho que o senhor precise berrar conosco para nós entendermos o que quer dizer. Não somos surdos. Nós pagamos para estar aqui, o que significa que queremos aprender. E é difícil aprender quando se tem medo." "Você tem medo de mim?", ele perguntou, baixinho. "Não, na verdade não tenho. Acho que tenho mais medo do que o senhor vai dizer ou fazer se eu não lhe der a resposta certa." "E qual é a resposta certa?" Ele estava forçando um pouco a barra, mas eu estava me sentindo muito bem. "Acho que a resposta certa é aquela que aparece na nossa cabeça na hora. Mas o grande problema é: como dar essa resposta sem magoar ou ofender a outra pessoa?" Ele se ajoelhou, me olhou nos olhos e disse: "Honre o que você sente dizendo as coisas da forma que gostaria de ouvi-las. Se o disser com sinceridade e amor, sua tarefa estará cumprida."

Não fui ao jantar. Fiquei em casa, sem fazer grande coisa. Abri todas as janelas e deixei o ar fresco da primavera entrar. Fiz uma massagem facial e pintei as unhas. Saí à procura de sapatos para comprar. Como não achei o que procurava, fui tomar sorvete. Quando cheguei em casa, tirei um cochilo e tive um pesadelo. Ouvi minha tia e minha avó gritarem comigo por não ter ido ao jantar. Eu ouvia as duas dizerem que eu pensava ser melhor do que todo mundo e que sempre queria que as coisas acontecessem ao meu modo. Ouvi meu irmão me perguntar repetidamente por que eu era tão burra. Será que eu não sabia como elas eram? Por que eu sempre escolhia criar confusão? No sonho, todo mundo gritava comigo. Eu sentia a raiva de todos, o que me deixava triste e zangada. Gritei de volta. Como sempre, eles não conseguiam me ouvir porque o fungo da fúria havia entupido os nossos ouvidos. Acordei chorando, com o coração descompassado.

Sentada na beirada da cama, assoando o nariz, voltei a ser uma garotinha. Tentando agradar todo mundo, mais uma vez. Desonrando-me de novo. Eu não conseguia decidir o que era pior, não agradar os adultos ou não honrar o que eu estava sentindo. O telefone tocou. Era minha tia. Antes mesmo de dizer "Alô", ela perguntou: "O que foi que aconteceu com você?" A ausência de resposta a levou a reformular a pergunta: "Quer dizer, achamos que alguma coisa tinha acontecido. Onde você estava?" Honre-se! "Eu estava muito ocupada." Não era verdade. "E eu não estava com a menor vontade de ir." "Ah, entendi, suponho que você tivesse algo de mais importante a fazer." "Não, eu simplesmente decidi respeitar o que estava sentindo, ficando em casa e cuidando de mim mesma." "Nossa!", exclamou. "Preciso que você me ensine a fazer isso. Eu também não queria ir, mas sabe como aquele povo é..." E eu a ouvi contar tudo o que tinha acontecido, quem estava vestindo o que, quem disse o que, quem bebeu quanto e o que disseram ou fizeram quando estavam bêbados. Eu sorri e repeti, mentalmente: "Honre-se!" É muito mais fácil do que pensamos.
Extraído do livro: Um dia a minha alma se abriu por inteiro - Iyanla Vanzant

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada por comentar.